sexta-feira, 24 de maio de 2013

Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo

A finalidade da vida nos empurra para o aprendizado das virtudes; no entanto, a cada momento nos defrontamos com os nossos próprios defeitos. É verdade que ao longo da vida nos preocupamos muito em angariar valores que de fato não são os mais importantes; nos preocupamos em conseguir posses, na esperança de que elas nos darão o poder de, quem sabe, sermos felizes. Buscamos adquirir terras, ou no mínimo um terreno, para construir nossa casa, ou talvez um quiosque. Tentamos juntar dinheiro para guardar debaixo do colchão, talvez para poder dar uma jóia de ouro e diamante à esposa ou à filha. Procuramos, dentro da vida, interpretar papéis que representem valores perante à sociedade; papéis de autoridade, de expressão para a admiração alheia, a fim de não nos sentirmos por baixo. Por vezes, nos encantamos com o corpo, como um grande tesouro a ser cultivado, entregama-nos a uma busca desenfreada da sua exaltação, realizamos dez mil cirurgias plásticas, e a estética está cem por cento.

Passa-se o tempo, e as situações se modificam. Os ladrões roubam os bens materiais; os títulos e honrarias terrenas também são esquecidos ou superados pelas novidades; o corpo sofre o fenômeno da oxidação e envelhece; as rugas chegam e não há mais onde esticar, e o silicone já não consegue estruturar um corpo de brotinho. A dor então chega, e onde nosso coração guardou valores, ao invés de depositar afeto, foi se transformando num lugar vazio. O sentimento e a emoção podem ser os mais variados; perda, revolta, raiva, mágoa com a vida se instalam. Há insatisfação consigo mesmo e a sensação de vazio e solidão. A descoberta de novos valores se faz necessária para o preenchimento do coração que se encontra vazio. 

Ao procurar no passado a causa, deve-se levar em conta que a história da humanidade não é feita de amor, carinho, compreensão, fraternidade e outras "virtudes" mais. Ela é montada em cima de dramas e tragédias, lutas, batalhas, guerras. Basta lembrar que grande parte das guerras que o mundo viveu foi de origem religiosa; matava-se e ainda se mata em nome da religião e de Deus. Todavia, é a história individual de cada um que entra na biografia do espírito, ao longo das diversas encarnações.

Quando encontramos a causa das dores, também encontramos virtudes jogadas ao léu, pois desprezamos as orientações e aprendizados que a vida nos apresentou. É a jovem que se rebela contra a família, por não concordarem com aquele namoro com homem complicado e que, por teimosia, insiste e se casa com ele. Quando descobre que ele a traía, aí a convivência não tem mais jeito, e separa-se dele. Decide que homem não presta e casamento é uma ilusão. Perdeu-se a fé na sinceridade dos homens e nos relacionamentos.

Costumo dizer que há uma diferença grande entre estar alegre e ser feliz. Estamos alegres quando ganhamos na loteria, quando recebemos aumento de salário. É uma satisfação quando um desejo é realizado, ou seja, quando o mundo de fora permite que consquitemos algo dele. No entanto, felicidade é algo mais profundo, que vem do interior da alma, quando procuramos o prazer no contentamento e na satisfação interiores, ou seja, quando nos ocupamos em adquirir virtudes. Desse modo, ser saudável é mais um estado de espírito, em que existe o conteúdo e não a aparência.

A vida cobra de todos o aprendizado e a ação. Não tem jeito. É de se questionar por quanto tempo ainda desejamos fugir de nós mesmos e protelar nossas prioridades no existir. A frase de Jesus Cristo "Conhecereis a verdade e ela vos libertará" talvez seja o lema de toda a terapia, pois encerra um grande  conteúdo em poucas palavras. O "conhecereis" indica que é necessário voluntariedade, querer procurar, e talvez até uma ordem, uma determinação, pois o ser humano geralmente faz separação entre cumprir um dever e o desejo. Geralmente quer satisfazer os desejos, acreditando que isso dá prazer, ao passo que cumprir o dever é sinônimo de constrangimento, de dissabor. Pouco parou pra pensar que pode tomar atitude diferente: pode aprender que amar somente o que se deseja não é sinônimo de prazer, muito menos de felicidade.

Então, se a máxima diz "Conhecer a verdade", tenho em mente que a verdade deve ser buscada, talvez por estar perdida; está oculta, podendo até ter sido escondida. Desse modo, penso que muitas coisas que tomamos como verdade de fato não o são. Se não é verdade, não passam de aparências, ilusões, engodos, ou mesmo mentiras, mais discretamente chamadas de "inverdades". Portanto, é ininuado que acreditamos em muitas "inverdades", como se fossem verdades.

Se também é dito "a verdade nos libertará", o que nos prende são as mentiras. Mas, de que local estaríamos sendo libertados? Afinal, só pode ser libertado quem está aprisionado. Entendo que a pior prisão do mundo é aquela na qual nos encarceramos dentro de nós mesmos, nos atamos a grilhões mentais - as mentiras - e temos dificuldade de nos soltar de nós mesmos. É como o medo de altura que não está na altura, mas dentro da pessoa; ou como a culpa que, quando é do outro, está tudo bem pra nós, não nos incomoda; no entanto, se ela for nossa, aonde formos, carregamo-la a nos flagelar.

Portanto a frase de Jesus enseja uma busca pormenorizada dentro de nós mesmos; solicita que deixemos de negar os fatos tais como são; pede que não os distorçamos ou minimizemos, nem arrumemos saídas mais intelectualizadas, justificando nosso erro pela atitude alheia, ou por algum outro fator do mundo externo. A máxima "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" é o equivalente cristão ao grego socrático "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo".

Este texto foi extraído do livro: Ectoplasma - Descobertas de um médico psiquiatra de Luciano Munari

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