segunda-feira, 23 de junho de 2014

O Louco



Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:
Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
E quando cheguei à praça do mercado, um rapaz no cimo do telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo.
O sol beijou pela primeira vez a minha face nua.
Pela primeira vez, o sol beijava a minha face nua, e a minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais as minhas máscaras.
E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram as minhas máscaras!”
Assim tornei-me louco.
E encontrei tanta liberdade como segurança na minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.
 
Khalil Gibran

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Eu quero...




Eu sigo em frente e nada me parece novo... Encontro o desconhecido e não tenho medo, mas eu quero ter medo, eu quero temer o que não conheço, mas a sensação é que eu conheço...

Há, dentro de mim, uma intensa luta que incita gritos de vitórias e derrotas, pois eu sou Abel enquanto dissemino a paz e Cain ao ser tomado pelo instinto...

Eu quero, quero mais, quero ir além... 

Quero expurgar a cólera de meu corpo, viver a essência do meu ser e me entregar com plenitude ao sentimento, puro e belo, sem dúvidas, sem pudor, vivo...

Eu quero...

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A Arte da Imperfeição

Algumas pessoas são conhecidas como perfeccionistas. O vocábulo significa pessoa que tem a tendência obsessivamente exagerada para atingir a perfeição naquilo que faz.
Realizar o melhor no que se faça é qualidade elogiosa. Contudo, quando beira à obsessão, traz infelicidade à pessoa e aos que convivem com ela.
Se for alguém com cargo de chefia, bastante complicado será conseguir uma equipe de trabalho que consiga atender as suas exigências.
No trato doméstico, por sua vez, difícil será lhe atender às expectativas, pois nunca a roupa estará impecável como deseja, ou a comida com o exato sabor, ou os móveis com total ausência do mínimo pó.
A pessoa acaba por gerar em torno de si um halo de antipatia e má vontade porque, de antemão, todos já sabem que, por mais se esforcem, nunca alcançarão o grau de perfeição por ela idealizado.
Conta-se que, no século X, o jovem Rikyu queria aprender os complicados rituais da cerimônia do chá e procurou o grande mestre Takeno Joo. Para poder aceitar o rapaz, era necessário submetê-lo a um teste.
Então, o mestre mandou que ele varresse o jardim. Rikyu limpou o jardim até que não restasse nem uma pequena folha fora do lugar.
Ao terminar, examinou cuidadosamente cada centímetro da areia do impecável jardim. Cada pedra estava em seu lugar e todas as plantas estavam perfeitamente ajeitadas.
Porém, antes de apresentar o resultado ao mestre, Rikyu chacoalhou o tronco de uma cerejeira e fez caírem algumas flores que se espalharam, displicentes, pelo chão.
Mestre Joo, impressionado, admitiu o jovem no seu mosteiro. Rikyu tornou-se um grande mestre do chá e, desde então, é reverenciado como aquele que entendeu a essência do conceito de Wabi Sabi: a arte da imperfeição.
Perceber a beleza que se esconde nas imperfeições do mundo é uma arte. Os tapetes persas sempre ostentam um pequeno erro, um minúsculo defeito, com o objetivo de lembrar a quem olha de que só Deus é perfeito.
Assim é a condição humana, e a arte da imperfeição começa quando aprendemos a reconhecê-la e aceitá-la.
A sabedoria está em saber viver no mundo, em harmonia com o mundo, respeitando tudo e todos.
Perceber a Sabedoria Divina na diversidade das cores na natureza e na pele dos homens.
Por isso, cada criatura é especialmente única em termos de sentimentos e qualidades. Ninguém é igual ao outro, como na natureza, nenhuma folha é exatamente igual à outra.
Isso fala da grandeza de Deus. Isso nos convida a sermos compreensivos com as qualidades do próximo que nos serve, que convive conosco, que nos ama.
Apreciar a peraltice da criança inquieta, o andar lento e descompassado de quem venceu os anos e avança no novo século, de quem tem a agilidade do vento, de quem traz a cabeça mergulhada em sonhos.
Vivamos, portanto, no mundo, amando, servindo e investindo em nosso aperfeiçoamento moral.
E aprendamos a olhar as pessoas como sendo as flores da cerejeira caídas de forma displicente, bordando delicadamente o verde gramado, com a certeza de que elas conferem a verdadeira beleza a esse imenso jardim de Deus, chamado Terra. 
Redação do Momento Espírita, com base
em pesquisa sobre 
Wabi Sabi, A arte da
imperfeição.
Em 20.2.2014.